Boa Esperança do Norte – Cruzamento da Avenida Brasil com a rua Flamboyant. Ao me despedir da advogada – aquela mesma que, nas últimas crônicas, vinha distribuindo “pitacos jurídicos” –, percebo que o cenário começa a mudar. É como se a cidade trocasse de figurino: surgem novas cores, outras vozes.
“Missão dada… missão cumprida!”, ouço de dois civis na calçada, imitando jargões militares. Um fala, o outro apenas acena. Logo atrás, alguém solta: “Top demais esta festa!”. Finjo não ser dali e, num impulso, assumo o papel de forasteiro – desses que enxergam o real com olhos de fantasia.
Com as mãos, puxei da atmosfera um chapéu de vaqueiro gaúcho, que se materializou sobre minha cabeça – como num truque de ilusionista. Mas só o chapelão não bastava. Bati duas vezes a palma da mão na coxa e, como num passe de mágica, minha calça virou jeans de cowboy. Duas pisadas firmes – pá, pá! – e os tênis se transformaram em botas de couro. Um último toque: bati o punho contra o peito e surgiu uma camisa de botão, levemente aberta, revelando um pingente no pescoço.
Agora sim: disfarçado – ou, quem sabe, revelado em outra versão de mim mesmo.
Apertei o passo rumo à aglomeração. As vozes cresciam com ela. Quando vi, já estava no meio do festejo. Sorri ao erguer com leveza a aba do chapéu – e, num gesto amigo, uma figura me ofereceu uma bebida de cortesia.
Fiz cara de surpresa, arregalei os olhos e, com um ar de palhaço, disse: “Pra mim? Sério?”. Aceitei. Dei o primeiro gole: era quentão! Agradeci e continuei, agora mais devagar, por entre pessoas bem-vestidas e visivelmente felizes. Logo vi que muitos estavam ali “a caráter”.
Num cantinho, rolava um show animado. De repente, metade do meu corpo quis entrar no ritmo. E quando vi, lá estava eu, dançando aquele passinho de arrocha, com o copo de quentão firme na mão, colado ao peito. Num giro, meus olhos cruzaram com os de alguém conhecido. O baile estava bão!
De repente, avisto ele – o Passarinho – “arrastando as asas” para o lado de umas “gurias”, sem o menor disfarce. Duas mesas adiante – adivinhem só! – lá estava o diretor do Jornal da Boa Esperança, tomando umas e outras, gargalhando alto em companhia familiar.
Fiz uma nova “varredura” com os olhos e reconheci até autoridades municipais… Gente que daria boas histórias. Personagens reais que parecem inventados – ou seria o contrário?
Naquela noite de festa que parecia não ter fim, me notei mais cronista do que nunca. Ou talvez, apenas mais um entre tantos que sabem: em Boa Esperança, toda festa vira memória – e toda memória, crônica.
Cronista da Boa Esperança