Boa Esperança do Norte – Na crônica de hoje, o autor decide ousar: imagina-se sendo outro, vestindo um papel que não é o seu. Fantasia dobrar uma esquina qualquer e escapar da nossa conhecida Avenida Brasil. Mas não consegue. O nome da via tem um magnetismo difícil de resistir. Talvez por lembrar a famosa telenovela ou, quem sabe, por ser a espinha dorsal de nosso cenário de mundo – a rua por onde pulsa o coração de Boa Esperança.
Foi ali, por exemplo, que apareceu Passarinho, nosso cronista-oficial-das-fofocas, cercado de personagens – reais e imaginários – que desfilam diariamente diante de nossos corpos. Foi ali também que surgiu uma doutora que encantou o cronista na semana passada. E foi pela mesma avenida que passou, faceira, a musa no banco carona de um carro oficial. O velho de chapéu arriado, que um dia explicou com poesia a eterna falta de asfalto, também brotou da Avenida Brasil. Até o prefeito desfila por lá – ainda que, muitas vezes, em sentido contrário ao do povo.
E veja só: até um infame gatuno, velho conhecido e estreante nesta coluna, costuma circular por ali. Um personagem que mereceria uma crônica só para si. Não é um simples “colecionador” de fotografias alheias. É expert em tomar emprestado sem pedir – um mestre na arte de afanar imagens de jornal. E, para completar, nem a própria foto que o representa na rede parece ser original.
O cronista comentou o caso, entre risos, num encontro com uma inspiradora advogada – apreciadora de literatura clássica e séries diversas. Enquanto narrava as peripécias do gatuno que jamais dá um “creditozinho” às imagens “emprestadas da Internet”, ela ouvia com atenção e um leve olhar de curiosidade, talvez provocado pelo sotaque forasteiro do interlocutor.
A prosa também atravessava a Avenida Brasil – como quem olha para os dois lados antes de cruzar uma rua congestionada de pautas jornalísticas. Em Boa Esperança, afinal, muita coisa acontece ali. Essa, aliás, foi a frase que selou o diálogo que ameaçava não ter fim. A amiga advogada parecia surpresa por ter encontrado um cronista. E o cronista, por sua vez, já não se sentia sem “defesa”.
Como se neste ato um velho mensageiro lhe sussurrasse aos ouvidos, poético, filosófico e um tanto louco:
“Até a poeira boa-esperancense, quando levanta, parece querer contar uma história.”
O pensamento se dispersa aqui. E a própria poeira – que naquele instante invadia o cenário da Avenida Brasil – engole o que restava de lógica. Mas está tudo bem. O pensamento se sente em casa. Porque ali, no vai e vem da cidade, as crônicas também se escrevem sozinhas.
Cronista da Boa Esperança