Boa Esperança do Norte – Chuva. Atoleiros etc. Recém-chegado, mal desconfiava que outros temas alimentavam e moldavam a fama do nosso cenário de mundo. Além do povo hospitaleiro, a cidade se destaca pelo agronegócio. “Precisamos falar mais do agro, hein?”, cochichou uma voz ao pé do meu ouvido. E, de fato, onde quer que se olhe, lá está ele: um mar de plantações de grãos até onde o horizonte alcança.
Como alguns já sabem, este cronista tem o costume de caminhar a pé, sempre com um peculiar companheiro pousado no ombro. Se não está no esquerdo, o rapaz travestido de penas está no direito. O danado não gosta de sol: onde há sombra, lá está ele, ajeitando a gravata imaginária e soltando um sorrisinho mudo.
Pois bem, desta vez, só por citá-lo, o pequeno amigo veio direto ao meu ouvido e sugeriu que entrássemos numa farmácia. “Vamos atrás de ‘uma história que um passarinho me contou’”, disse ele, em tom misterioso e ao mesmo tempo profético. Acompanhando-me com discrição, entrou comigo na farmácia, sem alarde, tentando se camuflar para não chamar atenção. Afinal, seria no mínimo estranho entrar em um estabelecimento comercial com um passarinho visível pousado no ombro.
Assim que pus os pés no local, uma atendente se aproximou… “Estou só olhando”, me apressei em dizer, como se estivesse numa loja de calçados analisando os melhores modelos em promoção.
Eis que, de repente, um sujeito adentra a farmácia. Meu passarinho, atento, bateu a asa de leve no meu ombro, sinalizando: “Preste atenção nisto…”. O cliente foi recepcionado por uma pessoa que ostentava um ar de proprietária:
“Júnior, queeeeerido! Como vaaaaaai??? E a história do passarinho?!”
“Ah, as crônicas… do Jornal!”, o outro se defendeu. E ambos caíram na gargalhada.
Foi então que percebi: o recém-chegado era nosso patrão. Num reflexo rápido, abaixei a cabeça e enfiei o rosto num boné azul, tentando esconder o assombro e a surpresa. O amigo passarinho, por sua vez, ativou também seu modo invisível. Não podíamos ser descobertos.
“Eu preciso achar o passarinho!!! Eu preciso achar o passarinho!!!”, esbravejava a mulher para o diretor do Jornal da Boa Esperança, dentro daquela farmácia.
Por essa, nem eu nem meu companheiro emplumado esperávamos. Parece que nosso amigo, que à noite talvez se transforme em corvo, estava virando o assunto do momento. Disfarçadamente, dei dois passos para trás e fui saindo de fininho.
“Não é o momento para sermos descobertos, nobre amigo Passarinho”, sussurrei já na calçada.
Ele acenou com o bico entreaberto, em sinal de concordância. E sumimos na poeira do tempo, deixando a história para quem quisesse contá-la depois.
Cronista da Boa Esperança
